O cozinheiro
sexta-feira, julho 11, 2003
  Frango à maricas

Adoro música. E o jazz é um dos meus géneros preferidos. Talvez mesmo o preferido. Não resisto a um bom ritmo. Não importa o género, tem é de ser bom. Tem de me tocar.

Paradoxalmente detesto dançar, pelo menos em público. Basta apenas uma pessoa a ver para me inibir e eu ficar como que com os pés colados ao chão. Para mim, salsa só se for para temperar a comida. Acontece, porém, que às vezes me surpreendo a mim próprio a dançar.

Aconteceu muito recentemente. Tinha a cozinha só para mim. Todinha. E também os quartos, o corredor e a sala de onde me chegava a voz do Caetano Veloso, numa obra-prima gravada em 1986 e intitulada Totalmente Demais.

O Caetano canta

Linda como um neném
Que sexo tem, que sexo tem?

Dou dois passos para a direita e agarro o avental de ganga. O frango que jazia já limpo sobre a volumosa tábua de cozinha parece querer acompanhar o ritmo.

Pela maneira como abana o rabo revela a orientação do jantar.

Namora sempre com gay
Que nexo faz tão sexy gay

No almofariz, já misturei alho, pimentão, louro e sal com azeite e um pouco de margarina. (Alternativamente, quando se está com pressa, pode usar-se 1 caldo Knorr de galinha, mas não é bem a mesma coisa).

...e roda...

Rock"n"roll?
Pra ela é jazz

O galináceo rende-se à investida. A faca fica na gaveta. Uso apenas as mãos. Esfrego-o com o tempero. Outro passo para a direita...

Já transou
High-life, society

Por fora e por dentro.

...o tronco também mexe...

Bancando o jogo alto

Com um palito pico um limão . Dois passos para a esquerda e roda.

O Caetano canta baixinho, quase segreda:

Totalmente demais

Esperta como ninguém

Só vai na boa

Só se dá bem!

Agarro o frango e, depois de uma pirueta, deito-o num pirex previamente untado com margarina.

Na lua cheia tá doida

Apaixonada, não sei por quem

Agitou um broto a mais

Nem pensou, curtiu

Já foi!

Foi só pra relaxar

O Caetano volta a segredar:

Totalmente demais

O limão deixa-se introduzir com facilidade no interior do frango

Uuuuuu uuuu uuuu...

Agora é só deixá-lo suar dentro do forno e regá-lo de vez em quando com o molho que vai largando.

- Que cheirinho! A Rosa acaba de chegar a casa. Ela radiante e o frango com a pele tostada e a carne macia.

Sabe sempre quem tem

Faz avião, só se dá bem!

Se pensa que tem problema

Não tem problema

Faz sexo bem!

Uuuuuu uuuu uuuu....

Totalmente demais

 
quarta-feira, julho 09, 2003
  Frango bêbedo

Não queria deixar passar de hoje uma referência à minha mãe. Afinal, este espaço é-lhe dedicado. Há uns meses cravei-lhe indecentemente um livro de receitas. Pedi-lhe que o escrevesse. E ela, quando podia lá ia escrevendo. E anotou as suas receitas de sempre ou as que ela costuma aplicar imprimindo-lhes o seu toque pessoal. Por meu lado, eu procuro seguir-lhe as pisadas.

Foi nessa senda que, no outro dia, proporcionei a um frango - felizmente, já vinha morto e limpo - um dos mais belos destinos com que um jovem galináceo, acabado de chegar da província, pode sonhar: ir parar directamente à grossa e espaçosa tábua de cozinha estrategicamente colocada sobre o tampo de mármore preto da mesa.

A luz da lâmpada e o vermelho dos móveis de cozinha reflectiam-se na lâmina cintilante. Implacável, a faca executou o sua tarefa. O frango ficou feito em pedaços e os cogumelos frescos (uma embalagem inteira) convertidos em tiras.

A Rosa já podia ir preparando umas caipirinhas, se já tivesse chegado.

Preparo um Martini com manjericão, para ganhar coragem, antes de começar a passar os pedaços de frango por farinha.

Agora está na altura proporcionar algum conforto à pobre ave. No fundo do meu melhor tacho já começa a fervilhar um pouco de azeite (na sua receita a minha mãe diz margarina, mas eu prefiro sempre o azeite, digam o que disserem) e começo a fritar o frango, que, devido ao calor, fica com  sede.

Dou-lhe meio copo de água. Ele reclama e recusa-se a brindar. Diz que brindes com água dão azar. Eu discordo, mas sirvo-lhe 1 cálice de Porto. Brindamos. Ele sugere outro brinde, mas desta vez prefere, conhaque. Eu mantenho-me nos Martinis, à falta de água tónica para o gin. E chegado a esta parte, já estou a prestar homenagem ao Mário Henrique Leiria e ao Mário Viegas. O raio do frango, já com um grão na asa, ainda tem estômago para um uísque e para um remate final com um copo de vinho branco.

Quando o animal já está completamente grosso, adiciono rapidamente os cogumelos e tempero com sal, pimenta e noz moscada. Tapo o tacho e deixo estufar...

A minha mãe recomendou que se adicionem natas meia hora antes de servir. Eu tento resistir-lhes (por causa do colesterol), mas não consigo. Talvez para a próxima tente sem.

Ainda se podem adicionar amêndoas ou pinhões.

 
terça-feira, julho 08, 2003
  Farfalle com cogumelos frescos

O frigorífico revelou um tesouro: uma embalagem de cogumelos. Ainda dentro do prazo. Hmmmmmmm.

Numa tábua de madeira, uma longa faca das melhores e inoxidáveis famílias traçam já o incontornável destino dos ditos fungos.

-- É melhor pores o avental. A Rosa é solícita e puxa-me o avental de ganga por cima da cabeça. Fá-lo sempre antes de pôr a água ao lume para as massas e antes que eu ponha nódoas na roupa. Cozê-las é, normalmente, uma tarefa dela. Ninguém as consegue cozer no mesmo ponto, aquele ponto. Pelo menos eu não me atrevo, nunca, a usurpar-lhe as funções.

No wok, colocado a postos, sorriem já um ou dois dentes de alho, finamente cortados. Chapinham num fio do mais fino azeite virgem de Moura.

Quando o lume brando se torna insuportavelmente intenso para os alhos e, precisamente no momento antes de começarem a ficar castanhos, junto-lhes os cogumelos. Deixo-os aquecer um bocado, mexendo-os com uma colher de pau, que nunca deve repousar durante todo o processo.

Adiciono pimenta e noz moscada. E sal para fazer os cogumelos suar. Rega-se com Xerez (seco ou doce, depende do estado de espírito) e em pouca quantidade, sempre dependente do líquido que os cogumelos largam.

Entretanto polvilho tudo com coentros picados (congelo-os normalmente inteiros e frescos. Um dia destes, revelarei aqui como se tem sempre ervas "frescas" e com aroma).

Entretanto, as farfalle cozidas e escorridas. É só juntá-las aos cogumelos no wok e mexer tudo em lume muito brando.

A ter em conta: os cogumelos perdem volume - encolhem. Por isso, é preciso ter atenção às quantidades. No final, não devem estar propriamente afogados em molho, mas também não devem estar totalmente secos.

O que é realmente bom nesta receita é que, se for necessário, pode ser repetida todos os dias com outras massas e outros produtos da horta. Por exemplo, penne com brócolos salteados ou fusilli com espargos verdes , entre, provavelmente, milhares de outras combinações. Por outro lado, não demora tempo nenhum a preparar. O jantar fica resolvido em quaisquer 20 minutos. O ideal para aqueles dias tão neurativos – ou será neurógenos? há alguma expressão portuguesa para causador de neura? Rosa ajuda-me! – em que nem apetece ir jantar fora.

 
Ó subalimentados do sonho, a poesia é para comer!
Natália Correia

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