O cozinheiro
sexta-feira, agosto 01, 2003
  Goa

As expectativas e a ansiedade cresciam à medida que o autocarro se afastava de Panjim, buzinando um código Morse que só os automobilistas indianos entendem. Ao terceiro dia, a nossa experiência goesa ameaçava naufragar numa tempestade de decepção e ficar encalhada em praias superlotadas a cederem à pressão do betão e do lucro especulativo.

 

Para trás ficava Colva e Dona Maria, que se assemelhavam ao pior Algarve, só que ao nível de um país de Terceiro Mundo com mais de mil milhões de habitantes. Serviu-nos de consolo ver famílias inteiras a tomarem banho vestidas nas ondas do Mar Arábico. A Índia - e, deixemo-nos de lusas ilusões, Goa é Índia - é sobretutudo um espectáculo de cor e luz. Ver, ao final de uma tarde de domingo, centenas de mulheres de saris coloridos dentro de água é, no mínimo, enternecedor. E descobrir que uma t-shirt, comprada semanas antes em Lisboa como sendo cinzenta, afinal é azulada, deixa-nos perplexos.

 

Tínhamos também já chegado à conclusão que a paradisíaca Anjuna não passa de uma alucinação de freaks encharcados em ácidos e charros que por lá tinham passado. Paradisíaco nunca. Um anti-climax autêntico.  

Havia ainda as melgas de duas patas que não largam o turista, para elas meros porta-moedas andantes. Não há repelente ou rede-mosquiteiro capazes de os manter à distância. Quanto mais turístico pior. Estão por todo o lado e têm sempre algo para vender. Até sorrisos para figurar numa fotografia.  

    Ten rupees!...

 

A miséria é grande e está à vista de todos, mesmo na «rica» Goa.

 

O autocarro voltou a apitar ao atravessar a ponte sobre o rio Zuari. Íamos a caminho de uma estação dos lendários caminhos de ferro indianos. Íamos nervosos e se o Sul de Goa fosse tal e qual o litoral Norte e Centro ou ainda pior? A viatura apinhada arrastava-se aos solavancos a uns prováveis 33,3 km/h (a velocidade média dos transportes terrestres nesta zona da Índia) para nos largar em Margão.  

A ideia era deixar parte da bagagem na estação e seguir noutro transporte. Quis o destino que daí a uns minutos parasse, ali mesmo à nossa frente, um comboio com destino a Canacona, terra situada a 2 km de Palolem, praia no extremo sul do Estado de Goa que tínhamos eleito como destino.

Entramos no caos da carruagem, com os tectos crivados de ventoínhas e com um funcionário que, apesar do calor, vendia chá e café quentes.

    Tchai, tchai, garam tchai. Coppi, garam coppi! (era assim que soava)

 

Sentimo-nos como extraterrestres, toda a gente olhava para nós. Rapidamente descobrimos porquê, sendo de estatura normal para os padrões europeus, verificámos que ambos estávamos a ocupar lugares onde normalmente caberiam quatro indianos. Famílias inteiras em viagem no calor produzem uma algazarra que só é abafada pelo som de rodas de ferro a rolar sobre carris de ferro e pelo pregão do homem do chá.

E as cores. Outra vez as cores e aquela luz. As pessoas, tão curiosas em relação a nós como nós em relação a elas, sorriam e metiam conversa aqui e ali. Não para nos vender o quer que fosse, só para nos conhecer.

Quanto mais nos afastamos dos centros turísticos, mais genuína se torna esta Índia. Duas horas e 66 km depois do embarque subimos para a caixa aberta de um triciclo motorizado amarelo, que nos levou até à guesthouse Maria, em Palolem Beach, uma casa gerida, com a ajuda de Santo António, pelo casal Maria e José Rebello.   (A continuar)

 

 
Ó subalimentados do sonho, a poesia é para comer!
Natália Correia

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