Não queria deixar passar de hoje uma referência à minha mãe. Afinal, este espaço é-lhe dedicado. Há uns meses cravei-lhe indecentemente um livro de receitas. Pedi-lhe que o escrevesse. E ela, quando podia lá ia escrevendo. E anotou as suas receitas de sempre ou as que ela costuma aplicar imprimindo-lhes o seu toque pessoal. Por meu lado, eu procuro seguir-lhe as pisadas.
Foi nessa senda que, no outro dia, proporcionei a um frango - felizmente, já vinha morto e limpo - um dos mais belos destinos com que um jovem galináceo, acabado de chegar da província, pode sonhar: ir parar directamente à grossa e espaçosa tábua de cozinha estrategicamente colocada sobre o tampo de mármore preto da mesa.
A luz da lâmpada e o vermelho dos móveis de cozinha reflectiam-se na lâmina cintilante. Implacável, a faca executou o sua tarefa. O frango ficou feito em pedaços e os cogumelos frescos (uma embalagem inteira) convertidos em tiras.
A Rosa já podia ir preparando umas caipirinhas, se já tivesse chegado.
Preparo um Martini com manjericão, para ganhar coragem, antes de começar a passar os pedaços de frango por farinha.
Agora está na altura proporcionar algum conforto à pobre ave. No fundo do meu melhor tacho já começa a fervilhar um pouco de azeite (na sua receita a minha mãe diz margarina, mas eu prefiro sempre o azeite, digam o que disserem) e começo a fritar o frango, que, devido ao calor, fica com sede.
Dou-lhe meio copo de água. Ele reclama e recusa-se a brindar. Diz que brindes com água dão azar. Eu discordo, mas sirvo-lhe 1 cálice de Porto. Brindamos. Ele sugere outro brinde, mas desta vez prefere, conhaque. Eu mantenho-me nos Martinis, à falta de água tónica para o gin. E chegado a esta parte, já estou a prestar homenagem ao Mário Henrique Leiria e ao Mário Viegas. O raio do frango, já com um grão na asa, ainda tem estômago para um uísque e para um remate final com um copo de vinho branco.
Quando o animal já está completamente grosso, adiciono rapidamente os cogumelos e tempero com sal, pimenta e noz moscada. Tapo o tacho e deixo estufar...
A minha mãe recomendou que se adicionem natas meia hora antes de servir. Eu tento resistir-lhes (por causa do colesterol), mas não consigo. Talvez para a próxima tente sem.
Ainda se podem adicionar amêndoas ou pinhões.
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